23 de fevereiro de 2010

Caminhando pela Rua

      Caminhava Ana Sofia pela rua extensa, chutando alguns dos cascalhos enrugados e sórdidos que ali repousavam úmidos, devido à intensa chuva do dia anterior.
      Pensava ela na vida, pensava no quanto era infeliz e pensava que sua vida era extremamente monótona, enfadonha, sem brilho algum que lhe fizesse sentir-se de fato exultada ou coisa parecida.
      Sempre teve a incalculada vontade de que algo inovador e excêntrico se sucedesse, algo este que ela realmente não estivesse esperando e que lhe animasse profundamente, arrancando-a do marasmo perseguidor e punidor, que não a deixava nunca sorrir.
      Andava a pequena de vestido quase longo, meia canela, se assim pode-se dizer, já que canelas não tinha, pois aquilo eram quase que toras, se não pernas fartas e arredondadas.
      Ah, que vergonha sentia ela de suas pernas. Infortúnio, desgraça e maldição. Enfim, estava ela, como de costume, se sentindo desfigurada com tal vestimenta, que ainda hoje lhe atormenta, mesmo tendo a esburacado por completo com uma tesoura quase que enferrujada, afim de que o buraco além de buraco, fosse também sujo, quase que cor de sangue envelhecido, como se esta mancha determinasse o caminho desgraçado pelo qual estaria sempre a menina a caminhar com suas toras, digo pernas, sim as mesmas malditas pernas.
      Mas enfim, andava ela, ou melhor, arrastava-se quase corcunda, ainda com tal vestido, longe, perdida em seus pensamentos como quem, num momento de debilidade mental, se atormentava simplesmente por existir.
      Eis que, como num solavanco súbito e transgressor, esguia-se um embaciado roedor saído de uma sutil fenda do imundo solo de terra batida, fazendo com que Ana Sofia, sem tempo de se resguardar, como era de se esperar, arrebentasse prontamente de encontro ao chão.
      Sim, aquelas mesmas toras, por tantas vezes repugnadas, açoitadas, aviltadas, sofriam desajustadas, agravadas, feridas e esparramadas na irregular superfície torpe, enlameada. E assim, pela primeira vez em sua tão comum existência, Ana Sofia passou a valorizar aquilo que anteriormente tanto fora rechaçado, desmerecido e humilhado, clamando pelo fim daquela tão indesejável e pungente sensação de dor.