Com a delicadeza de um elfo e a altivez de um asbesto, escorria a gota lentamente pela janela, deixando para trás seu modesto rastro, a desenhar-se na superfície translúcida que curiosamente era observada por Ana Luzia.
Já havia três longos dias em que a enxurrada não cessava, deixando a pequena encolerizada por não poder sair para dar seus tão esperados passeios matinais.
Não restava mais nada de interessante para a jovem se atarefar dentro de sua casa e aquela situação era tão enfadonha a ponto de Ana Luzia começar a desesperar-se.
A rotina nunca fora tão veemente assim com a menina e como que num lapso momentâneo, driblando os olhares rígidos de sua mãe, ela decidiu pular a janela e sair a passear na chuva mesmo.
A jovem achava estranho e ao mesmo tempo gozado sentir cada gota de chuva escorrer por sua pele delicada, tão assustada pela nova sensação. Desde muito pequena, nunca lhe fora permitido apanhar chuva, no exagerado intuito de deixá-la a salvo de um possível resfriado.
Rapidamente, seus longos cabelos castanhos se encontravam encharcados, bem como sua modesta camisola de organza lilás. Suas chinelas absorviam pequenas quantidades de água das poças sobre as quais Ana Luzia caminhava, além de encontrarem-se lambuzadas pela lama.
Um breve suspiro antecedeu um espirro curto e intenso que logo se diluiu na enérgica umidade do ar e como que num embate, Ana Luzia se desequilibrou bruscamente, escorregando na lama que a cercava com tamanha abundância.
Seu corpinho desabou com indelicadeza e sua cabecinha esfacelou-se de encontro ao chão. Seus meigos olhos se fecharam de modo ligeiro e uma lágrima quente escorreu-lhe sobre a face, como a gota de chuva que há pouco escorregara mansamente pela vidraça e a deixara tão curiosa.